Desde
o final de 2018, um total de 23 instituições da área da educação na região de
Santarém e Itaituba, no oeste do Pará, acataram recomendação do Ministério
Público Federal (MPF) para a adoção de medidas que assegurem a professores e
alunos a chamada liberdade de cátedra, aponta balanço divulgado pelo MPF nesta
quinta-feira (19).
A
liberdade de cátedra é a liberdade de aprender, de ensinar, de pesquisar e
divulgar o pensamento, a arte e o saber, para a garantir o pluralismo de
ideias, concepções de ensino, e a autonomia didático-científica, conforme o
artigo 206 da Constituição.
Entre
as instituições que responderam positivamente à recomendação do MPF estão
secretarias municipais de ensino, prefeituras, universidades, conselhos
municipais e associações da área.
A
recomendação do MPF também indicou a necessidade de as instituições tomarem
medidas para impedir atuação ou sanção arbitrária em relação a professores, ou
qualquer forma de assédio moral contra eles por parte de estudantes, familiares
ou responsáveis, em especial o assédio que resulte em constrangimento ou
qualquer forma de censura, direta ou indireta.
Cidadania e tolerância
– A medida segue a diretriz nacional do MPF de proteger os princípios da
Constituição brasileira e as demais normas que regem a educação no país. No
artigo 205, a Carta Magna define que a educação visa ao pleno desenvolvimento
da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania, e não apenas a sua
qualificação para o trabalho. “A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei 9.394/1996) também estabelece como princípios do ensino no país o respeito
à liberdade e o apreço à tolerância, a valorização da experiência extraescolar,
a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais e a
consideração com a diversidade étnico-racial”, diz a recomendação.
Em
vários julgamentos citados no documento, o Supremo Tribunal Federal (STF) já
reafirmou o pluralismo de ideias e concepções ideológicas e a liberdade de
expressão como bases do processo educacional. No julgamento da Arguição por Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) 548, que tratou de ações de repressão dentro de
universidades durante o período eleitoral de 2018, a Corte, por unanimidade,
assegurou a liberdade política, de manifestação, de reunião, de expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação dentro de
ambientes educativos.
O
projeto autointitulado “Escola sem partido” é citado na recomendação do MPF,
pois “configura claramente mais uma concepção ideológica, também constitui um
credo em luta, pois pretende restringir o ensino e a aprendizagem a um conjunto
de temas e conteúdos e segundo uma específica concepção pedagógica e
ideológica, que crê serem os únicos adequados a se trabalhar em sala de aula,
não podendo, portanto, como quaisquer outras, pugnar ao Estado sua
exclusividade em nosso sistema educacional”.
Para
o MPF, a intenção declarada de fiscalizar o conteúdo ministrado em sala de aula
configura constrangimento à liberdade de ensinar e ofende a liberdade de
cátedra e estimula o assédio moral e a intimidação dos professores, com risco
de censura direta e indireta e o uso do epíteto “ideológico” tem sido adotado
por determinados grupos como meio de censura, desqualificação e intimidação de
profissionais de educação que não partilham de sua visão política. “Esses
grupos, de maneira equivocada, não compreendem suas próprias práticas como de
natureza ideológica – apenas os posicionamentos dos outros é que o seriam – e
não parecem estar cientes dos riscos que a censura representa, inclusive para
eles próprios, uma vez que se constitui como prática arbitrária que poderá ser
manejada ao sabor de qualquer governante para constranger e cercear o
pensamento político divergente”, registraram na recomendação os procuradores da
República autores do documento.
Precarização
– O MPF assinalou também que o cerceamento e o constrangimento a profissionais
de educação, precariza, inevitavelmente, a formação dos estudantes brasileiros,
pois chega ao ponto de negar a existência de fatos históricos — como a ditadura
militar, o nazismo e a escravidão — e de menosprezar consensos científicos
estabelecidos internacionalmente, fomentando um estudo descontextualizado,
acrítico e distanciado da realidade.
Essa
precarização é estimulada, segundo o MPF, quando determinados grupos atribuem à
defesa dos direitos humanos um caráter supostamente “ideológico”, fomentando um
verdadeiro estado de exceção em que grupos socialmente vulnerabilizados
(negros, indígenas, mulheres, LGBTI) parecem ter sido despidos dos direitos
humanos mais básicos — inclusive à integridade física e à sobrevivência —,
criando um clima favorável e legitimador de toda sorte de violências físicas e
morais a esses grupos.
“O
cerceamento e o constrangimento a profissionais da educação vêm redundando em
um processo anticientificista e anti-intelectualista que prejudica a séria,
robusta e internacionalmente reconhecida produção acadêmica e científica
brasileira ao atribuir caráter meramente ideológico a determinados estudos,
furtando-se ao debate verdadeiramente científico, que pressupõe não a
desqualificação do interlocutor por suas concepções políticas — que
invariavelmente todos possuem —, mas a confrontação de referenciais teóricos,
metodológicos e de dados obtidos com rigor científico”, alertou o MPF.
Improbidade
– O MPF apontou no documento que a omissão dos gestores na adoção das medidas
protetivas e preventivas pode vir a configurar improbidade administrativa,
tendo em vista que os direitos às liberdades políticas, de manifestação, de
pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação impõem não somente a vedação do excesso contra interferências
indevidas do Estado, mas repreende também qualquer omissão que compactue com a
violação a estas liberdades.
Para
conhecimento da recomendação, cópia do documento também foi enviada à
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), ao Ministério da Educação
(MEC), ao Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
(Andes/SN), à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de
Ensino Superior (Andifes), à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Estado do Pará
(Sintepp/PA), ao Sindicato dos Professores no Estado do Pará (Sinpro-PA), ao
Conselho Estadual de Educação do Estado do Pará e aos Conselhos Municipais de
Educação nas áreas de circunscrição das Procuradorias da República em Itaituba
e Santarém.
Instituições que acataram a recomendação do MPF no oeste do Pará pela
garantia da liberdade de cátedra:
·
Associação Nacional dos Dirigentes
das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)
·
Centro Universitário Luterano de
Santarém (Ceuls/Ulbra)
·
Conselho Municipal de Educação de
Almeirim
·
Conselho Municipal de Educação de
Belterra
·
Conselho Municipal de Educação de
Juruti
·
Conselho Municipal de Educação de
Monte Alegre
·
Conselho Municipal de Educação de
Terra Santa
·
Instituto Esperança de Ensino
Superior (Iespes)
·
Prefeitura de Curuá
·
Prefeitura de Novo Progresso
·
Prefeitura de Óbidos
·
Secretaria Municipal de Educação de
Belterra
·
Secretaria Municipal de Educação de
Curuá
·
Secretaria Municipal de Educação de
Faro
·
Secretaria Municipal de Educação de
Juruti
·
Secretaria Municipal de Educação de
Monte Alegre
·
Secretaria Municipal de Educação de
Novo Progresso
·
Secretaria Municipal de Educação de
Óbidos
·
Secretaria Municipal de Educação de
Rurópolis
·
Secretaria Municipal de Educação de
Terra Santa
·
Universidade da Amazônia (Unama)
·
Universidade do Estado do Pará (Uepa)
·
Universidade Federal do Oeste do Pará
(Ufopa)
Nenhum comentário:
Postar um comentário